A Visão Tibetana do Renascimento
Cremos sim, que o que estabelece a continuidade entre as vidas não é uma entidade, mas antes o mais subtil e último dos níveis de consciência.
O modo exacto como o renascimento ocorre foi bem ilustrado com o seguinte exemplo:
“Numa série de renascimentos, as sucessivas existências não são como as perlas de um colar, seguras por um fio – a «alma» - que passe através de todas as pérolas, são mais como dados empilhados em cima uns dos outros. Cada dado é independente, mas suporta o que está por cima dele, com o qual está funcionalmente ligado. Entre os dados não existe uma identidade, mas sim uma condicionalidade”.
Nas escrituras budistas há um relato muito claro sobre este processo de condicionalidade. O sábio budista Nagasena explicou-a ao rei Milinda num conjunto de respostas às perguntas que este lhe fez, respostas essas que ficaram famosas.
Milinda perguntou a Nagasena: «Quando uma pessoa renasce, é a mesma que morreu ou é diferente?»
Nagasena respondeu: «Nem é a mesma, nem é diferente… Diz-me, se um homem acendesse uma candeia, poderia esta fornecer luz durante toda a noite?»
«Sim.»
«E a chama que arde na primeira parte da noite é a mesma que arde na segunda… ou na última?»
«Não.»
»Isso quer dizer que há uma candeia na primeira parte da noite, outra na segunda e ainda outra na terceira?»
«Não. É por causa de uma só candeia que a luz brilha durante toda a noite.»
«O renascimento é semelhante: quando nasce um fenómeno, o outro termina ao mesmo tempo. Assim, o primeiro acto da consciência na nova existência não é o mesmo da existência prévia, nem é diferente.»
O rei pediu outro exemplo para explicar a natureza precisa dessa dependência, e Nagasena comparou-a ao leite: «O coalho, manteiga ou queijo, podem ser feitos do leite, nunca são o leite, mas dependem inteiramente dele para a sua existência.»
A seguir Milinda perguntou:
«Se não há um ser que passe de corpo para corpo, então porque não estamos todos livres das acções negativas que cometemos em vidas passadas?»
Nagasena deu-lhe este exemplo:
«Um homem rouba as mangas de alguém, mas elas não são exactamente as mesmas que a outra pessoa originalmente possuíra e plantara. Nesse caso, por que motivo há de ser merecedor de castigo?» «Merece-o», explicou Nagasena, «apenas porque as mangas que ele roubou cresceram a partir daquelas que o seu proprietário plantou. É por isso que as nossas acções numa vida, sejam elas puras ou impuras, estão ligadas a outra vida, e por isso não nos podemos libertar das suas consequências.»
Sogyal Rinpoche
NAMASTÊ